quarta-feira, 18 de abril de 2018

ENTREVISTA COM BALTASAR SOUSA, O SENHOR ATLETISMO DO BOAVISTA


A NOSSA IMAGEM É A JUVENTUDE 
 
Baltasar Sousa, foi galardoado com o troféu de treinador do ano de todas as modalidades, mas foi numa perspetiva mais global, que o entrevistamos, sobre o momento da modalidade de Atletismo que dirige.

Onde começou a sua carreira de atleta?

Comecei aqui no Boavista, na época de 1983/84. Depois de uma saída regressei na época de 1991/92 e por fim voltei há  quatro anos, para iniciar um processo de recuperação do atletismo no clube.

Nessa fase o Atletismo estava suspenso no Boavista?

Sim estava inactivo. Eu passei pelas instalações do atletismo no Bessa e na condição de Boavisteiro verifiquei essa situação e chocou-me. O Clube estava na segunda divisão em futebol e eu passava por aqui e via tudo isto sem vida e sem alma e essa tristeza fez-me intervir.

O que decidiu fazer?

Eu nessa altura tinha pessoalmente três hipóteses. A primeira era terminar com a actividade desportiva, encerrando a minha carreira no Atletismo de competição, deixar os atletas que tinha sob minha responsabilidade e continuar apenas e só, com o meu atletismo de manutenção. A segunda hipótese, seria formar um clube novo, continuando o que até aí tinha feito. A terceira hipótese, que se colocou, foi vir ao Boavista e inteirar-me da verdadeira situação da modalidade no clube.

Optou pela terceira hipótese?

Mas primeiro passei noites sem dormir, lutando entre o abandonar tudo ou apresentar-me no Boavista. E foi o que aconteceu e iniciei este processo de recuperação do atletismo no Boavista. É bom que se diga, que “nós” nas Modalidades Amadoras somos auto-suficientes, não sendo renumerados em nenhum aspecto, fazemos isto com alma e paixão. Uma das coisas que me “obrigou” a tomar esta decisão, era o facto de eu ver em algumas provas de atletismo, adeptos do Boavista a correr envergando a camisola de futebol do clube. Aquilo comovia-me e foram esses atletas que me fizeram ver que afinal havia gente para recomeçar a modalidade.

Como se processou?

Foi nessa vertente, que falei com o Engenheiro António Marques, expliquei a minha ideia mas tenho que confessar que eu vinha do … nada! Eu não sabia para o que vinha nem o que ia encontrar. O Engenheiro, foi claro e directo e informou que nada tinha para me dar, nem sequer equipamentos. Perante essa resposta, seria fácil para mim recuar e terminar a carreira, mas eu tinha obrigação com atletas e apostei em começar tudo do zero, no Boavista. E assim. Em vez de pedir alguma coisa ao vice-presidente, ofereci o que tinha e sei.

Mas o Baltazar veio na condição de treinador e saiu com outros cargos. Explique essa situação?

Nestas condições eu vi-me, como treinador, como atleta e … passei a ser também o dirigente. Tive que conseguir equipamentos, organizar a logística etc…

Dando um salto no tempo. O atletismo do Boavista tem neste momento, passados quatro anos, um excelente nível. Esse facto surpreendeu-o ou era por si esperado?

Eu tinha a convicção que as coisas iriam melhorar, mas reconheço que o nível que alcançamos me surpreendeu um pouco. Esta evolução não se fica a dever á minha pessoa mas ao nome do Boavista Futebol Clube, que atrai pessoas. Foram surgindo atletas com excelente nível e foram surgindo patrocinadores, principalmente esta época.

Neste momento, o Baltazar já tem uma estrutura que o ajude a deixar de ser três em um?

Neste momento, continuo a ser o Dirigente, o treinador e cada vez menos o atleta. Algumas circunstâncias têm-me levado a treinar menos, mas continuo a albergar essas três funções. Tenho agora a ajuda do Amândio Costa, com quem divido parte da formação. Mas continuo com o mesmo gosto de início do processo.

Há tempos disse publicamente que não se importaria de perder alguns atletas veteranos, em prol da juventude. Verificamos, facilmente, que na actualidade o Boavista tem um grupo de jovens muito promissores.  Como aconteceu todo esse processo?

Os veteranos que temos nas nossas equipas não podem pensar que a modalidade existe no clube por causa dos veteranos. A quem nos vê nas corridas, com atletas mais idosos, mais magrinhos ou mais gordinhos, posso afirmar essa não é a nossa imagem. A nossa imagem é a juventude. Essa foi a minha aposta e nunca vi com bons olhos os veteranos que se assumiam como vedetas. Sem me aborrecer com ninguém fui proporcionando a saída de alguns veteranos que pensavam dessa forma. Porque o nosso espírito é ter equipas de jovens e formar com qualidade, como tem acontecido.

Com as condições que pode oferecer, não teme estar a formar jovens para outros clubes aproveitarem?

Convém ressalvar duas coisas no atletismo. Que me perdoem todos os Boavisteiros, mas considero importante, que o interesse do Clube, não se sobreponha ao interesse do atleta, embora o interesse do atleta não pode ofuscar o interesse do clube. Enquanto treinador penso assim.

Quer pormenorizar, para evitar más interpretações?

Eu ficarei satisfeito se um dia, um clube dos grandes (Sporting ou Benfica) venha cá buscar atletas. Isso será sinal que esse atleta vai ter outras condições, nomeadamente financeiras, usufruindo de um ordenado, porque o Boavista não tem essas condições para lhe oferecer. Se no futuro houverem atletas do Boavista a passarem por essa situação, esse facto, só poderá ser um motivo de orgulho para nós.

Os nossos jovens podem continuar a apostar na sua evolução, porque nunca lhe irão cortar as pernas?

Exactamente, na altura certa seremos nós a elucidar os jovens sobre a realidade. Aqui respeitamos todos os jovens que temos entre nós, por isso, é que somos uma modalidade amadora. O respeito e vontade do atleta será sempre mantido e salvaguardado.

No futuro a secção do Duatlo/Triatlo irá continuar inserida no atletismo, ou irão separar-se?

Eu penso que podemos continuar a trabalhar juntos e cada vez melhor. O Carlos Lopes, dinamiza todo esse sector com grande vontade e dinamismo, porque é um grande Boavisteiro. Com a sua entrega e organização ele vai formando as equipas do Boavista em triatletas. Pela minha parte vou tentar organizar melhor esse sector. Como somos verdadeiros amigos, considero que ambas as modalidades podem continuar a ser geridas em conjunto.

Globalmente, como está organizado a descoberta de jovens para o atletismo?

Essencialmente tem a  base no desporto escolar, que é importantíssimo. Considero que mesmo assim, o desporto escolar deve ser reformulado e reestruturado na vertente do atletismo, porque quando vejo miúdas no campeonato distrital de corta-mato a correr de fato de treino ou de casaco de passeio e até de sapatos de salto alto… já considero um descalabro. Este aspecto tem que ser revisto, porque muitos desses jovens vão fazer essas provas de corta-mato só para faltarem às aulas e vão prejudicar a imagem da prova. Sem fugir à questão, a captação principal de atletas tem sido o desporto escolar, que vai muitas vezes ao encontro dos atletas.

E  o papel dos clubes na captação?

Muitas vezes o miúdo já percebeu na escola que corre muito, ou pelo menos que gosta de correr e ele vai procurar um clube que tenha a modalidade. Por sua vez todos os clubes estão atentos a tentar descobrir jovens com potencial para o atletismo. Posso assegurar que se o nosso departamento tivesse outras condições eu teria já convidado muitos jovens que vejo com valor, mas neste momento, não os posso convidar porque não tenho condições para evitar despesas pessoais que sempre iriam aparecer. O que eu posso assegurar é que nunca prometo nada que não seja possível cumprir. Tenho aqui atletas que sabem que nada lhes prometi e já lhes consegui dar algumas coisas. Funcionou ao contrário, mas prometer e não dar isso, nunca!

Valeu a pena ter optado pelo renascer do atletismo no Boavista?

Claro que sim. Mesmo que não tivesse vencido nenhum galardão, mesmo que não tivesse conseguido trazer alguns atletas de valor, mesmo que pouco tivesse acontecido, teria valido sempre a pena. É necessário realizarmos experiencia e enfrentar desafios. Como o clube reconhece o trabalho mediano que fui fazendo, então obviamente que valeu a pena.

Alguma mensagem para os adeptos?

Tenho recebido vários pedidos de venda de camisolas do atletismo, que demonstra a forma como os adeptos reconhecem o nosso trabalho. É muito importante que os nossos associados tenham conhecimento que no atletismo do Clube temos já muitos atletas de grande valor e, mesmo com muito pouco tempo de actividade, temos já uma jovem atleta que esta época se sagrou campeã nacional de juvenis e juniores e obtendo ainda o recorde nacional. Para a história não ficou só o seu nome mas também o do Boavista F.C como melhor registo de sempre na prova de 400 metros. Falo da atleta Ana Costa.