A NOSSA IMAGEM É A JUVENTUDE
Baltasar Sousa, foi galardoado com o troféu de treinador do ano de
todas as modalidades, mas foi numa perspetiva mais global, que o entrevistamos,
sobre o momento da modalidade de Atletismo que dirige.
Onde começou a sua carreira de atleta?
Comecei aqui no Boavista, na época de 1983/84. Depois de uma saída
regressei na época de 1991/92 e por fim voltei há quatro anos, para iniciar um processo de
recuperação do atletismo no clube.
Nessa fase o Atletismo estava suspenso no Boavista?
Sim estava inactivo. Eu passei pelas instalações do atletismo no Bessa
e na condição de Boavisteiro verifiquei essa situação e chocou-me. O Clube
estava na segunda divisão em futebol e eu passava por aqui e via tudo isto sem
vida e sem alma e essa tristeza fez-me intervir.
O que decidiu fazer?
Eu nessa altura tinha pessoalmente três hipóteses. A primeira era
terminar com a actividade desportiva, encerrando a minha carreira no Atletismo
de competição, deixar os atletas que tinha sob minha responsabilidade e
continuar apenas e só, com o meu atletismo de manutenção. A segunda hipótese,
seria formar um clube novo, continuando o que até aí tinha feito. A terceira
hipótese, que se colocou, foi vir ao Boavista e inteirar-me da verdadeira
situação da modalidade no clube.
Optou pela terceira hipótese?
Mas primeiro passei noites sem dormir, lutando entre o abandonar tudo
ou apresentar-me no Boavista. E foi o que aconteceu e iniciei este processo de
recuperação do atletismo no Boavista. É bom que se diga, que “nós” nas Modalidades
Amadoras somos auto-suficientes, não sendo renumerados em nenhum aspecto,
fazemos isto com alma e paixão. Uma das coisas que me “obrigou” a tomar esta
decisão, era o facto de eu ver em algumas provas de atletismo, adeptos do
Boavista a correr envergando a camisola de futebol do clube. Aquilo comovia-me
e foram esses atletas que me fizeram ver que afinal havia gente para recomeçar
a modalidade.
Como se processou?
Foi nessa vertente, que falei com o Engenheiro António Marques,
expliquei a minha ideia mas tenho que confessar que eu vinha do … nada! Eu não
sabia para o que vinha nem o que ia encontrar. O Engenheiro, foi claro e
directo e informou que nada tinha para me dar, nem sequer equipamentos. Perante
essa resposta, seria fácil para mim recuar e terminar a carreira, mas eu tinha
obrigação com atletas e apostei em começar tudo do zero, no Boavista. E assim.
Em vez de pedir alguma coisa ao vice-presidente, ofereci o que tinha e sei.
Mas o Baltazar veio na condição de treinador e saiu com outros cargos.
Explique essa situação?
Nestas condições eu vi-me, como treinador, como atleta e … passei a
ser também o dirigente. Tive que conseguir equipamentos, organizar a logística
etc…
Dando um salto no tempo. O atletismo do Boavista tem neste momento,
passados quatro anos, um excelente nível. Esse facto surpreendeu-o ou era por
si esperado?
Eu tinha a convicção que as coisas iriam melhorar, mas reconheço que o
nível que alcançamos me surpreendeu um pouco. Esta evolução não se fica a dever
á minha pessoa mas ao nome do Boavista Futebol Clube, que atrai pessoas. Foram
surgindo atletas com excelente nível e foram surgindo patrocinadores,
principalmente esta época.
Neste momento, o Baltazar já tem uma estrutura que o ajude a deixar de
ser três em um?
Neste momento, continuo a ser o Dirigente, o treinador e cada vez
menos o atleta. Algumas circunstâncias têm-me levado a treinar menos, mas
continuo a albergar essas três funções. Tenho agora a ajuda do Amândio Costa,
com quem divido parte da formação. Mas continuo com o mesmo gosto de início do
processo.
Há tempos disse publicamente que não se importaria de perder alguns
atletas veteranos, em prol da juventude. Verificamos, facilmente, que na
actualidade o Boavista tem um grupo de jovens muito promissores. Como aconteceu todo esse processo?
Os veteranos que temos nas nossas equipas não podem pensar que a
modalidade existe no clube por causa dos veteranos. A quem nos vê nas corridas,
com atletas mais idosos, mais magrinhos ou mais gordinhos, posso afirmar essa
não é a nossa imagem. A nossa imagem é a juventude. Essa foi a minha aposta e
nunca vi com bons olhos os veteranos que se assumiam como vedetas. Sem me
aborrecer com ninguém fui proporcionando a saída de alguns veteranos que
pensavam dessa forma. Porque o nosso espírito é ter equipas de jovens e formar
com qualidade, como tem acontecido.
Com as condições que pode oferecer, não teme estar a formar jovens
para outros clubes aproveitarem?
Convém ressalvar duas coisas no atletismo. Que me perdoem todos os
Boavisteiros, mas considero importante, que o interesse do Clube, não se
sobreponha ao interesse do atleta, embora o interesse do atleta não pode
ofuscar o interesse do clube. Enquanto treinador penso assim.
Quer pormenorizar, para evitar más interpretações?
Eu ficarei satisfeito se um dia, um clube dos grandes (Sporting ou
Benfica) venha cá buscar atletas. Isso será sinal que esse atleta vai ter
outras condições, nomeadamente financeiras, usufruindo de um ordenado, porque o
Boavista não tem essas condições para lhe oferecer. Se no futuro houverem
atletas do Boavista a passarem por essa situação, esse facto, só poderá ser um
motivo de orgulho para nós.
Os nossos jovens podem continuar a apostar na sua evolução, porque
nunca lhe irão cortar as pernas?
Exactamente, na altura certa seremos nós a elucidar os jovens sobre a
realidade. Aqui respeitamos todos os jovens que temos entre nós, por isso, é
que somos uma modalidade amadora. O respeito e vontade do atleta será sempre
mantido e salvaguardado.
No futuro a secção do Duatlo/Triatlo irá continuar inserida no
atletismo, ou irão separar-se?
Eu penso que podemos continuar a trabalhar juntos e cada vez melhor. O
Carlos Lopes, dinamiza todo esse sector com grande vontade e dinamismo, porque é
um grande Boavisteiro. Com a sua entrega e organização ele vai formando as
equipas do Boavista em triatletas. Pela minha parte vou tentar organizar melhor
esse sector. Como somos verdadeiros amigos, considero que ambas as modalidades
podem continuar a ser geridas em conjunto.
Globalmente, como está organizado a descoberta de jovens para o
atletismo?
Essencialmente tem a base no
desporto escolar, que é importantíssimo. Considero que mesmo assim, o desporto escolar
deve ser reformulado e reestruturado na vertente do atletismo, porque quando
vejo miúdas no campeonato distrital de corta-mato a correr de fato de treino ou
de casaco de passeio e até de sapatos de salto alto… já considero um
descalabro. Este aspecto tem que ser revisto, porque muitos desses jovens vão fazer
essas provas de corta-mato só para faltarem às aulas e vão prejudicar a imagem
da prova. Sem fugir à questão, a captação principal de atletas tem sido o
desporto escolar, que vai muitas vezes ao encontro dos atletas.
E o papel dos clubes na
captação?
Muitas vezes o miúdo já percebeu na escola que corre muito, ou pelo
menos que gosta de correr e ele vai procurar um clube que tenha a modalidade.
Por sua vez todos os clubes estão atentos a tentar descobrir jovens com
potencial para o atletismo. Posso assegurar que se o nosso departamento tivesse
outras condições eu teria já convidado muitos jovens que vejo com valor, mas
neste momento, não os posso convidar porque não tenho condições para evitar despesas
pessoais que sempre iriam aparecer. O que eu posso assegurar é que nunca prometo
nada que não seja possível cumprir. Tenho aqui atletas que sabem que nada lhes
prometi e já lhes consegui dar algumas coisas. Funcionou ao contrário, mas
prometer e não dar isso, nunca!
Valeu a pena ter optado pelo renascer do atletismo no Boavista?
Claro que sim. Mesmo que não tivesse vencido nenhum galardão, mesmo
que não tivesse conseguido trazer alguns atletas de valor, mesmo que pouco
tivesse acontecido, teria valido sempre a pena. É necessário realizarmos
experiencia e enfrentar desafios. Como o clube reconhece o trabalho mediano que
fui fazendo, então obviamente que valeu a pena.
Alguma mensagem para os adeptos?
Tenho recebido vários pedidos de venda de camisolas do atletismo, que
demonstra a forma como os adeptos reconhecem o nosso trabalho. É muito
importante que os nossos associados tenham conhecimento que no atletismo do
Clube temos já muitos atletas de grande valor e, mesmo com muito pouco tempo de
actividade, temos já uma jovem atleta que esta época se sagrou campeã nacional
de juvenis e juniores e obtendo ainda o recorde nacional. Para a história não
ficou só o seu nome mas também o do Boavista F.C como melhor registo de sempre
na prova de 400 metros. Falo da atleta Ana Costa.