Na sabedoria popular, existem verdades incontornáveis.
Diz-se – entre outras – que não existem pessoas insubstituíveis, dizemos, nós, que
sendo verdade, existem pessoas muito difícil de serem substituídas. Na hora da sua
despedida de técnico de Andebol, Vítor Nascimento, ficará nesse segundo campo e, para
quem o conhece e ao seu trabalho (como nós) podemos afirmar que vai contrariar o ditado
popular.
O Amadoras, realizou uma extensa entrevista com o Vitor
Nascimento no dia do reconhecimento público da sua partida de treinador do
Boavista. Pode parecer grande, mas nunca se aproximará de quanto este “Monstro
de Carinho e ensinamento” dedicado aos mais jovens mereceria. Nela tentaremos
descobrir o homem que marcou o andebol jovem axadrezado, durante mais de dezena e
meia de anos.
O HOMEM
Amadoras - Comecemos por identificar o cidadão
Vitor Nascimento. Nascido onde? Idade?
Vitor Nascimento - Nasci a 6 de Setembro de 1971, na Freguesia de
Massarelos-Porto, na Rua mais bonita e com melhores vistas da Cidade do Porto
(Rua de Entre-Quintas) onde se localiza a Casa Tait, o Museu Romântico do Vinho
do Porto e inicia a ecadaria de um dos percursos do romântico e uma vista do
Douro de tirar a respiração (que eu conheço muito bem, acrescenta o editor)
Qual a sua profissão?
Trabalho na Universidade do Porto, desde o início deste
ano lectivo no Departamento de Integração Académica dos Serviços de Acção
Social, mas desde 1992 até 2013 trabalhei no Gabinete de Desporto da
Universidade do Porto
Como nasceu o amor pelo andebol?
Iniciei no Andebol pela “mão” de um amigo de Infância,
antigo Atleta do Boavista e Internacional, de seu nome Paulo Pinhal, que me
convidou a mim e outros amigos (vizinhos e da escola) a experimentar a prática
do Andebol no velhinho e saudoso CDUP.
Foi logo amor desde o 1º dia, pelos novos Amigos, pelo
Treinador, no fundo porque encontrei uma excelente família.
Essa vantagem de se apresentar
sempre frio e calmo mesmo nos momentos de pressão nasceu consigo, ou foi
cultivada com o andar dos anos?
Eu não me considero frio e não sou assim tão calmo
como pensa. Naturalmente tenho a minha forma de estar, na qual me considero uma
pessoa ponderada e respeitadora o que dá a entender que a pressão me passa ao
lado e também porque o Andebol me dá um prazer imenso, bem como a partilha e
vivência com todos os seus agentes.
Naturalmente que a experiência nos dá mais serenidade
e o facto de sempre ter sido um treinador de formação, em que estamos
constantemente a transmitir mensagens para os jovens atletas, faz com que
tenhamos de filtrar muitos dos nossos impulsos, para que possamos ser o próprio
exemplo.
O
ANDEBOLISTA
Qual foi a sua carreira como jogador
de andebol, quais os clubes que representou?
Como jogador representei o CDUP, Estrela e Vigorosa e
Académico do Porto.
Algum título importante conquistado?
Alguns Títulos de Campeão Regional e uma Série de
Taças que não consigo neste momento enumerar nem discriminar.
Qual a posição que ocupava em campo?
Inicialmente, motivado pelo meu grande Mentor e
Treinador, Prof. Mário Santos, era Ponta Direita, apesar de ser destro, mas,
penso que tinha uma excelente basculação, poder de salto e um fascínio por
jogar numa posição de tão difícil nexecução para quem jogava com a mão direita.
Posteriormente, com o amadurecimento e com o facto de
os treinadores acharem que tinha boas apetências para o posto, tornei-me Pivot.
O Vitor treinador, como analisa o
Vítor atleta/jogador?
Tive um Treinador, o Prof. Paulo Sá, que uma vez me
definiu: “ Algo Limitado, mas muito Dedicado e Esforçado e sempre necessário”…
Na verdade concordo com ele, comecei a jogar com 17
anos, já no escalão de juniores, com 18 anos, já jogava pelos juniores e pelos
seniores…
Como Treinador sei que é uma idade muito avançada para
começar, mas na verdade, não foi isso que me impediu de treinar, treinar e
treinar para poder evoluir e poder jogar…
Não fui o melhor jogador, mas era aquele que mais
vontade tinha de provar e fazer por merecer.
Muitas vezes treinei sozinho a rematar da ponta, a
saltar por cima de uma barreira de atletismo e com a baliza torta a encurtar o
angulo para dificultar a obtenção do golo.
Como nasceu o gosto para treinar?
Comecei a ser Treinador por necessidade, ou seja, na
altura existia um escalão que não tinha treinador e como não havia recursos
para contratar alguém e talvez porque achassem que eu tinha algum jeito,
propuseram-me para tomar conta desses jovens…
Começou aí uma aventura que termina agora e que durou
25 anos.
Sempre treinou jovens de formação ou
já treinou adultos?
Sempre treinei formação, Infantis, Iniciados e
Juvenis.
Houve apenas uma época em que treinei uma equipa
senior, mas, foi mais um ajudar o Clube amigo que necessitava de uma pessoa
credenciada para o efeito.
Esta decisão de abandonar a
actividade ou de pelo menos sair do Boavista, foi fruto de uma circunstância
pontual ou de uma ideia amadurecida?
Esta decisão é muito amadurecida.
Chegou a hora de pensar na minha familia, poder
proporcionar-lhes tempo de qualidade, de poder também apostar na minha formação
académica, tudo isto enquanto tenho idade em que ainda me posso “divertir”
Pelo que esta decisão é muito difícil de tomar, mas é necessária
para mim e a minha familia.
Pelo que não é sair do Boavista, mas sim terminar a
carreira de Treinador…
Qual a razão dessa mudança de rumo, que ninguém
esperava?
As Razões
indiquei-as na resposta anterior.
De certa
forma as pessoas já sabiam desta decisão, pois eu próprio para me mentalizar
fui dizendo do meio da época para cá, no entanto sei que a maioria das pessoas
não queria acreditar que era mesmo uma decisão irreversível. (o Portas era
irrevogável).
Há quantos anos veste a camisola do
Boavista?
Atingi a maioridade no Boavista, 18 ANOS de Xadrez ao
Peito
Depois de tantos anos é fácil sair?
É muito difícil… Já estou cheio de saudades, cada
semana que passa até ao fim da época é mais uma estação cada vez mais próxima
da linha de chegada…
Nem quero imaginar o que irei sentir quando tudo
acabar.
O que o leva a deixar o clube de seu
coração. A falta de condições para treinar, outros objectivos mais elevados, ou
ainda outra qualquer razão?
O que me leva a deixar o Clube são decisões familiares
e de formação e valorização pessoal…
Neste Clube nunca me queixei de nada mesmo tendo
razões para tal, sempre arregacei as mangas e sempre dei o melhor de mim, sem
exigir nada a quem quer que fosse.
Para mim bastava ter Atletas, Bolas e local para
treinar que as condições estavam todas reunidas.
Na estrutura técnica do andebol, o
Vitor é visto como o primeiro pilar da formação, formando em seu redor uma
equipa de seguidores nos seus atletas, meio comandante, meio pai, meio exemplo.
Não teme que os seus pupilos fiquem órfãos, com a sua saída?
Nem penso nisso sequer…
Tenho a certeza e desejo que quem me substituir tenha
o mesmo e mais sucesso que eu, pois é sinal que os nossos “meninos”, que são
quem realmente importa, continuam a ter pessoas competentes e que se importam
com eles.
Os miúdos adaptam-se facilmente a tudo, pelo que
naturalmente com o passar do tempo não sentirão a minha falta, tenho certeza
que daqui por 5 anos se lembrarão de muitas coisas que lhes transmiti, mas que
neste momento e pela idade que têm não conseguem ainda assimilar toda a
informação dada.
Espero apenas que no futuro se lembrem que sempre fui
uma pessoa correcta, justa e dedicada que sempre os tratou e respeitou, tendo
por base estes princípios e que consigam aplicar todos os valores que lhes
transmiti, quer como atletas, quer como homens.
Porque nunca apostou em treinar
equipas mais adultas dentro do Boavista?
Fui convidado por diversas vezes, mas sempre recusei…
Não era o meu Campeonato…
Prefiro promover os jovens em Adultos…
Nas suas equipas, nunca se ouvem os
seus jogadores queixarem que perderam por culpa dos árbitros, como se ouve nas
outras. Simples acaso ou algo mais que isso?
Nas minhas equipas os atletas sabem que há Autoridade,
Responsabilidade e Liberdade, todos sabem o seu papel, todos sabem a
necessidade de interrelacionarem estes 3 princípios para que possam respeitar e
ser respeitados.
Não posso pensar em formar só um jogador de andebol,
tenho também o dever de o ajudar a educar como homem, logo só é desporto se
houver correcção e elevação.
E eu disso não prescindo…
Quando perco, sempre digo que foi por ter marcado
menos golos e ter tido mais falhas técnicas que o adversário… ou tão
simplesmente por reconhecer que o adversário possa ter sido melhor que nós…
Sabemos que o Boavista vai entrar de novo na primeira Liga de futebol. Há
quem considere que isso será bom para as amadoras, outros consideram o
contrário. E você?
Honestamente acho que vai ser indiferente para o
Andebol e para as Modalidades Amadoras.
Em 18 anos do Boavista, estive no melhor e no pior do
Clube, mas, na verdade há já muitos anos que as modalidades desportivas se
aguentam sem ou com um muito reduzido apoio da Direcção.
Vou esperar para ver, mas, gostaria que houvesse um
forte apoio e houvesse algum reconhecimento das Amadoras, até pelo lutar e
superar que tiveram no “Coma induzido” em que o Clube esteve nestes últimos
anos.
Nos últimos anos foram exigidos
sacrifícios enormes aos colaboradores das amadoras. Pela parte que lhe toca,
acha que valeu a pena tudo que deu ao clube?
Quem pode dizer se os meus sacrifícios valeram a pena,
são os meus Directores.
Por mim, só posso dizer que fiz de tudo para manter o
Clube, foi Dirigente, Treinador, Psicólogo, Motorista, etc…
Fiz e dei tudo o que tinha pelo Andebol do nosso Clube
e aí posso dizer-lhe uma coisa com toda a certeza: “Não abandonei nem deixei
morrer o nosso Andebol”, perante tudo isto e olhando para a realidade
desportiva do Andebol agora, posso dizer que tudo porque lutei, valeu a pena.
Falemos no
geral do andebol axadrezado.
O que há de positivo?
De Positivo
temos o factor humano, social e desportivo, somos uma autêntica família, quase
todos os atletas são da nossa formação.
Cada vez
estamos mais consolidados, cada vez mais fortes, cada vez mais competitivos.
Penso que
este ano, foi um ano dourado, um ano em que todos os escalões atingiram e
ultrapassaram com distinção os objectivos propostos no início da época
desportiva.
Vejo também
o aumento do número de jovens que temos a praticar Andebolno nosso Clube.
E encaro
também como positivo o facto de o Andebol do Boavista já ser desejado e
procurado por outros atletas.
E o que acha negativo?
De negativo,
saliento as condições estruturais que temos, mais concretamente a falta de
locais e horários de treino condignos para todos os escalões e alheamento e
sensibilidade por parte da Direcção a este grande problema.
Nem quero
imaginar o que atingiríamos caso tivéssemos um pavilhão com medidas
regulamentares para treinos regulares…
Sentiu-se sempre um homem compreendido dentro do
clube, ou muitas vezes não continuou um assunto porque… não valia a pena?
Sempre fui
muito bem tratado por todas as pessoas.
Sempre tive
relações cordiais com todas as pessoas, pois sempre fui correcto e respeitador
nas opiniões e na aceitação.
A minha
forma de estar no desporto é prática, directa e correcta, pelo que como nunca
recebi nenhum reparo sobre a minha postura, só posso considerar que sempre fui
compreendido.
Todos estes
anos de xadrez. Na hora da despedida o que diz o Vitor… valeu a pena?
Nesta hora de despedida, solto algumas lágrimas
É a decisão mais difícil da minha vida
È sentir que saio com a certeza que a minha “missão” foi
totalmente cumprida…
É Saber que fui sempre igual a mim próprio
È Sentir que fui bem estimado por todos os Agentes do
Andebol
È Tão gratificante saber que consegui incutir o gosto pela
modalidade a tantas centenas de jovens
É Estar de bem comigo próprio por saber que sempre dei o
melhor de mim, sempre de forma altruísta
É relembrar que sempre tive a humildade de saber ouvir para
saber estar
È tanta coisa…
Sentir que sempre fui justo e correcto para com todos
É saber que fui mais que um treinador, que fui um amigo, um
tio e pai dos atletas.
É saber que incuti nos próprios pais dos atletas o espirito
do Andebol do Boavista
Sou uma pessoa grata e se mereço algum reconhecimento, muito
a este Clube o devo.
Mas essencialmente, valeu a Pena, por TUDO o que consegui e
TODOS que conheci e que o Andebol me
proporcionou …
Serei sempre Boavisteiro e estarei sempre a apoiar o
Andebol.
Nota: Do editor, depois de palavras tão sensibilizantes a que não conseguimos alheios, terminamos esta entrevista com um nota, que ameniza a tristeza da sua partida.
Vitor Nascimento, vai continuar ao serviço do Boavista, com supervisor do sector de formação e ainda que não seja já oficial... Como sempre o Amadoras sabe e nunca... se engana. Hoje despedimo-nos do treinador... o amigo, continua connosco!
Entrevista
de
Manuel Pina