sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

FUTSAL -ENTREVISTA COM RUI PEREIRA (1ª PARTE)

Depois da passagem em vídeo, com um som sem qualidade, optamos por transcrever a na íntegra a entrevista com Rui Pereira treinador principal do Futsal do Boavista.
Rui Pereira é sem dúvidas, um dos mais conceituados técnicos do nosso futsal. Axadrezado desde nascença, regressa uma vez mais ao Boavista e está a realizar uma época bem mais positiva que o esperado. Mas é nossa intenção falar um pouco sobre a paragem que o Rui experimentou nos últimos tempos. O porquê dessa paragem?
Já houve alguns períodos que estive fora da modalidade, cerca de uma época, época e meia, mas nunca foi por vontade pessoal. Esse afastamento temporário, ficou a dever-se a falta de convites por mim, como interessantes, ou de interesses de clubes.
Cheguei a pensar que o Rui Pereira, por razões familiares, teria decidido terminar com a carreira…
Não, aliás pelo contrário. A minha família, sempre fez parte deste projecto desportivo, é até uma razão de aproximação, nesse aspecto, as coisas estão organizadas para o futsal fazer parte da nossa vida conjunta. Os miúdos gostam de ver os jogos e de acompanhar a minha actividade desportiva, que nunca colidiu com a nossa vida familiar. É algo que está dentro dos nossos hábitos e relacionamento familiar. Como disse, foram dois períodos, algo longos, mas nada de anormal.

O Rui quase desapareceu do futsal, quase não era visto, daí a minha conclusão, que agora reconheço como precipitada.
É a minha postura pessoal, que quando não estou a treinar uma equipa, me afastar um pouco dos pavilhões e dos jogos ao vivo, para que a minha presença não seja mal interpretada e não sirva – de algum modo – como pressão sobre o meu colega que esteja a treinar o clube, ao qual eu estivesse a assistir ao jogo. É verdade que quando treino um clube, assisto a mais jogos que quando estou livre.
Quando treina assiste a muitos jogos?
Claro que sim, preciso de analisar adversário e de me aperceber de determinados pormenores, que só se verificam com uma presença física.

Vamos então ao regresso.  Sabendo que já se encontrava comprometido com outro clube, pergunto-lhe. Como surgiu o convite para o regresso ao Boavista e se o processo com o clube a que estava comprometido, foi pacífico?
Eu tinha um compromisso desde a época passada, assumido com o GD da Cohaemato. Fui convidado pelo presidente do clube e comecei desde logo a organizar a época, para trabalhar na Cohaemato. Comecei a organizar – e porque tinha muito tempo para o fazer – organizar o plantel, organizar… enfim tudo para entrarmos na época sem qualquer assunto em atraso. Organizei tudo debaixo das minhas características e da realidade da Cohaemato, naturalmente.
Mas então apareceu o Boavista. Como se dá essa aproximação, que aconteceu já na pré-época?
O Boavista, começou a sentir algumas dificuldades para conseguir a continuidade do treinador anterior, o Alberto Melo, que por motivos profissionais, pressentia-se, não poder vir a dar toda a atenção que uma equipa no primeiro escalão necessita. Notava-se, que o Berto ia ter problemas por motivos profissionais, para assegurar a presença em todos os treinos e penso, que essa situação levou a que me contactassem, apresentando-me um convite para regressar ao Boavista.

Como aconteceu todo o processo?
Depois de abordado por pessoas que considero amigas, com o Morais e o Rui Melo, ponderei e fui – como teria que o fazer sempre – conversar com o Presidente da Cohaemato. Explicar-lhes que o que estava em causa não era uma proposta financeira, felizmente (quando estava comprometido com a Cohaemato) tinha aparecido uma proposta financeira, que recusei, porque estava comprometido com o clube. Explicar-lhes que o que estava em causa era o Boavista, o meu clube do coração, o clube onde estive mais anos consecutivos como treinador, o clube que me liga a toda a família, pois todos somos – na minha família – boavisteiros. Eles entenderam e assim tudo se passou de forma civilizada e pacifica entre as partes interessadas.

Vamos entrar então no mundo do Boavista. Eu confesso e todo o país com a excelente temporada axadrezada. A si responsável, pela equipa. Surpreendo ou nem por isso?
Vamos ser rigorosos. Realmente a pontuação que o Boavista tem neste momento é uma surpresa, pela positiva. Nós não esperávamos que a época estivesse a correr tão bem como tem estado a correr, como até agora. O Boavista, quando me convidou, fê-lo para ficar à frente de dois clubes, que é como quem diz, evitar a descida de divisão. Sabíamos que podíamos fazer um pouco mais, se o plantel correspondesse, se as coisas corressem bem etc… mas o objectivo do clube era a manutenção.
Era?
A época tem-nos surpreendido pela positiva, mas ainda falta muito para se jogar.
Deixe-me acrescentar, que quando vi o calendário, o considerei muito problemático e pensei que só pela sexta jornada, conquistariam os primeiros pontos. Enganei-me. O que quero dizer sobre isso?
Sinceramente não me assustou e até considero que o calendário foi positivo, nesse aspecto.
Explique lá isso.
A equipa técnica entrou uma semana antes do início do campeonato e por isso uma semana antes do jogo com o Belenenses e aproveitamos as duas semanas seguintes. Semanas em que defrontávamos o Benfica e o Sporting, para realizar a nossa adaptação ao grupo, com os nossos métodos numa nova pré-temporada chamemos-lhe assim. Fomos impondo as nossas formas de estar, de trabalhar e sistemas de jogo. Nessas três semanas trabalhamos sem grandes pressões preparando o futuro. Por estas razões considero que o calendário foi de certo modo, positivo.
Desistiram dos jogos com os Lisboetas?
Nunca se desiste! Encaramos, foi esses dois jogos como jogos de pré-temporada, se acontecesse algo de bom… tudo bem. Mas nada melhor que trabalhar sem a pressão dos pontos e nesse aspecto, considero que o Benfica e Sporting são adversários, em que ninguém pode esperar ganhar pontos antecipadamente, sendo assim os melhores adversários que poderíamos ter nesse período.

Conhecendo os adeptos, como conhecemos, podemos dizer que agora atravessamos a fase da euforia, em que tudo é possível e tudo se exige. Já tive o prazer de trabalhar muitos anos consigo e sei que não partilha desse entusiasmo. Como lê a situação, quando apenas se realizou a primeira volta?
Nesta fase não jogamos com objectivos classificativos, neste momento continuamos a jogar para conquistar pontos, jogo a jogo, semana a semana, para amealhar o maior número de pontos. Nesta fase, continuamos a trabalhar para evitar a descida de divisão.

Nos anos anteriores, os números de trinta e dois pontos davam para entrar no play off. Tendo conquistado, já, vinte pontos, o Boavista está a doze de se entrar nessa fase final?
Quando estamos a jogar com o Braga ou com o Belenenses, jogamos para ganhar. Não estamos a pensar se aqueles pontos, vão servir para este ou aquele objectivo. Sinceramente, neste momento, o nosso objectivo é ficar na primeira divisão. Ainda fazemos as contas às diferenças de pontos entre nós e a primeira equipa que está na zona de descida. Enquanto essa distância não for impossível de ser invertida, nós lutamos para não descer de divisão.
Quando conseguirmos atingir uma margem pontual que nos garanta a manutenção então a partir daí iremos redefinir os nossos objectivos, para que a equipa se mantenha unida e ambiciosa.

O campeonato está um pouco anormal – na minha opinião – temos tubarões afundados… que de repente podem acordar e tudo se alterar. Concorda com esta minha visão?
Completamente. O campeonato está um pouco irregular, neste momento temos duas equipas na situação de descida com doze pontos e por isso apenas a oito do quinto lugar… quando se referiu a tubarões, estou a ler… Rio Ave, Modicus, Olivais. Eu digo-lhe que a pontuação dessas equipas não está traduzida em pontos e que a qualquer momento, essas equipas podem começar a subir na tabela. Nós estamos sempre à espera semana a semana, que essas equipas comessem a somar três/quatro vitórias consecutivas e saiam da posição em que se encontram. São equipas com ambições, com tradição e equipas com valores e  plantel capazes de alterar tudo num espaço curto de semanas. Eu estou á espera que isso aconteça, por isso, considero importante, todos os pontos que possamos conquistar agora. Veja, por exemplo, que o Modicus foi há duas épocas um dos primeiros classificados, foi á final da Taça, o Rio Ave foi o terceiro classificado do ano anterior, são clubes com historial no nosso futsal. A segunda volta pode vir a ser muito diferente da primeira.

A prova sofreu alteração. Terminou o play-out (ainda bem, digo eu. Já fomos vitimas dessa ingrata e injusta fase) agora descem dois directamente e quatro terminam a época mais cedo. Qual a sua análise a este quadro?
Eu considero uma  alteração positiva, porque as equipas que sobem do segundo escalão, praticamente descem. Mesmo com quatro descidas, esses lugares eram (quase sempre ocupados pelos quatro que subiam) algumas equipas foram excepções. Furou o ano passado o Cascais, furou há dois anos o Rio Ave e mais atrás furou o Modicus. As equipas que sobem apresentam um deficit competitivo, comparadas com as que já estão há alguns anos no escalão. Por estas razões considero, uma alteração positiva.
Mas na próxima época só subirão dois, um de cada zona. Isso não tirará interesse ao segundo escalão?
Não há, na segunda divisão mais que uma duas equipas com qualidade para jogarem na primeira divisão. As diferenças são abismais, normalmente a segunda classificada de cada série da segunda divisão, não apresenta condições para competir no primeiro escalão.

A modalidade em Portugal encontra-se em mudanças. Todos criticamos, mas nem todos apresentamos soluções. Com o é que o Rui Pereira vê a actualidade e o futuro do futsal em Portugal?
Fruto da crise que atravessamos e das dificuldades que existem actualmente, há dificuldade em conseguir patrocinadores em que todos os clubes tenham condições de manter os seu melhores jogadores, verificamos que alguns clubes, mesmo de meio da tabela, viram os seus jogadores saírem para jogarem em diversos campeonatos estrangeiros. Essa realidade equilibrou mais o campeonato, mesmo que por baixo, mas tem a vantagem de estar a permitir trabalhar mais com jogadores jovens na primeira divisão que noutros tempos não teriam oportunidades. Tudo somado, estamos a ter um campeonato mais equilibrado e mais competitivo. Há três/quatro equipas de um nível superior e todas as outras competem pelo título de não descer de divisão.

A crise também afecta o futsal?
Claramente. Os melhores jogadores nacionais saem mais facilmente e os clubes deixaram de ter grandes hipóteses de ir buscar ao Brasil jogadores com o valor como se fazia até aqui.
A base de progressão que deveria nascer na segunda divisão, não se nota na primeira?
As diferenças entre a segunda e a primeira divisão, são um abismo. Não na qualidade de jogadores que teriam sempre tempo de evolução, mas no ritmo de jogo, na intensidade do mesmo, dos parâmetros físicos entre os dois escalões. Nós na segunda divisão podemos com sete/oito jogadores de média qualidade fazer um bom campeonato, mas é impossível, na primeira, com um plantel curto somar muitos pontos. Estas são as condições que um clube promovido depara quando chega ou primeiro escalão.

No caso do Boavista, o plantel estava preparado para manter uma tranquilidade no primeiro escalão?
Considero que sim. Nós trabalhamos, com base, não na ideia de nos preparamos para os jogos com determinadas equipas, consideradas adversárias directas, preparando-nos para um pico de forma para determinados jogos, mas preparamos a equipa para crescer, mesmo sem saber se o conseguia num espaço de tempo útil, desconhecíamos se demoraria dois/quatro/seis meses, mas trabalhamos para a equipa poder jogar para vencer em todos os jogos e não só em alguns jogos e com alguns adversários. O plantel reagiu mais rápido que o esperado, e considero que está pronto para qualquer jogo.

Mas é um pouco adverso ver o Boavista a treinar das vinte e duas horas e meia até à meia-noite, com atletas trabalhadores e de depois jogar com equipas que realizam dois treinos diários em horário nobre, Concorda?
Isso faz de nós pessoas mais bem preparadas. Os jogadores treinam nesse horário que referiu, levantam-se cedíssimo para as suas actividades profissionais e portanto, isso é uma dificuldade acrescida, mas dentro dessas dificuldades a capacidade de superar essas mesmas dificuldades, vem mesmo do interior do grupo e da sua qualidade. Nos últimos jogos, temos verificado que estamos a atingir um determinado patamar, que há muito tempo desejávamos atingir e a verdade é que não se tem visto a diferença entre as equipas com melhores condições que as nossas. Por exemplo, o Braga deverá ter cerca de oitenta por cento de um plantel profissionalizado e o ritmo que o Boavista conseguiu impor, no jogo em que os dois clubes se defrontaram, não permitiu ver quem treinava duas vezes por dia ou duas vezes por semana.

O Rui Pereira não é treinador que defenda ser possível ter a equipa em picos de forma, preparando-se para fases?

Nós tivemos a felicidade que logo após o jogo com o Belenenses da primeira volta, ter o tal espaço competitivo sem grandes pressões, verificar que não estávamos preparados, não conhecíamos a equipa e aproveitamos esse tempo para nos adoptarmos ao plantel e ele ao nosso ritmo de trabalho. Aproveitamos esse quinze dias e depois já estávamos preparados para jogar com o Olivais já com o ritmo preparado para combater com uma equipa da categoria, experiência, intensidade e conhecimento de primeira divisão do Olivais.

Nota: A segunda parte da entrevista será apresentada ainda hoje, no principio da noite.

Entrevista feita por

 Manuel Pina