quarta-feira, 13 de maio de 2015

MARTA MASSADA E DANIELA SOL, EM ENTREVISTA CONJUNTA

Tínhamos programado uma entrevista formal com duas atletas. Levávamos as perguntas alinhadas… mas quando nos sentamos na mesa, tudo se transformou numa conversa informal entre duas grandes amigas. As perguntas deixaram de existir, porque estas Senhoras transformaram tudo, pareciam ter conhecimento das questões que iriamos colocar… ou simplesmente, sabiam tudo de Voleibol.
Entre risadas… falamos de coisas muito sérias.
Marta Massada e Daniel Sol, ao seu melhor nível

Amadoras – Vamos iníciar por fazer uma apresentação de cada uma. Quem são desportivamente a Marta e a Dani?
Marta – Comecei a jogar com catorze anos na Académica de São Mamede, como inciada de segundo ano e em Júnior vim para o Boavista, onde estive várias épocas como sénior. Em seguida, fui para  o AVC de Famalicão e regressei de novo, ao Boavista. Entretanto, iniciei a minha actividade profissional e o Leixões que tinha acabado de subir à primeira divisão e tinha uns objectivos mais … mais ligeiros... e ingressei no Leixões, para depois deixar de jogar uns anos. Quando voltei, porque o “bichinho” não me largava, voltei ao São Mamede e depois a Dani (sorriu para a Dani) arrastou-me para o Castêlo e agora o Professor Machado arrastou-nos ás duas para o Boavista.
Dani – Eu, comecei a jogar com onze/doze anos e fiz toda a minha formação no Castêlo da Maia e joguei como Sénior alguns anos. Depois fui para o AVC e vim três anos para o Boavista.

Amadoras - Há algum título ou curiosidade que queiram destacar?
Marta – Eu no Boavista, perdi sete finais… para esta amiguinha (riu-se). Os meus títulos, como sénior, tenho uma Supertaça e uma Taça de Portugal. Aqui a  amiguinha tem  muitos mais. Eu tenho muitos “Vices” fui “Vice” em Voleibol, em Universitária, em Volei de praia universitária… muito “vices”.
Amadoras – Campeã de Vices?
Marta – Sim. Nisso sou campeã! (ambas se riram) em títulos dos outros é a dani que tem muitos… uma açambarcadora.
Amadoras – A Dani também tem muitos “vices”?
Dani – conquistei ou catorze ou quinze títulos nacionais…
Marta – Que me roubou! (gargalhada de ambas)…
Dani – Exceptuando o primeiro ano, em todos os escalões de formação fiu Campeã Nacional e como sénior, no Castêlo fui ou seis ou sete vezes Campeã Nacional.


Amadoras – Deixem-me fazer um aparte. Para além de atletas, vocês são, pelo que verifico, amigas!
Dani – Mesmo antes de adversárias e atletas nós já eramos amigas. Não é?
Marta – Eu, direi… mesmo grandes amigas. Mesmo antes de me roubares os títulos.

Amadoras _- Como se dá o ingresso no Boavista?
Marta – Estávamos a jogar no Castêlo e o que nos trouxe para o Boavista foi que o professor Machado é um chato! O Boavista estava na segunda divisão e o projecto ser atacar a primeira divisão, pelo que o “chato” do professor nos conseguiu dar a volta.
Dani – Havia a marcação daqueles jogos importantes para antecipar a subida e por isso o professor nos convenceu para vir “ajudar”. Os jogos não se realizaram, mas nós ficamos.
Marta – Apesar de eu e a Dani, ser azuis e brancas, a verdade é que o temos ambas um “bichinho” muito grande pelo Boavista.
Dani – Ai, ai, ai, vamos ser mortas (riram-se à gargalhada.)
Marta – O Boavista é um clube da cidade do Porto e para mim esta cidade é o mundo. O Boavista é do Porto e assim, eu também sou do Boavista, para além do orgulho que sinto por ter vestido esta camisola. Eu e a Dani, somos (também) Boavisteiras, ninguém tenha dúvidas!

Amadoras- Então não foi o “bichinho” do Volei que vos fez regressar…
Marta – Não. nós estávamos a competir, foi antes o “bichinho” do Boavista
Dani – E o professor Machado!

Amadoras - Como se consegue conciliar a vida profissional, com a vida familiar e a modalidade?
Dani – Primeiro de tudo, com um bom marido!
Amadoras – Bom marido?
Marta – Exactamente, sem um bom marido não há hipótese de conciliar isto tudo.
Dani – O “bichinho” do Volei atacou depois do nascimento dos filhotes, depois de termos sido mães… o bichinho atacou e voltamos ao nosso amor.
Marta – Quando jogava no Leixões, eu sentia-me prejudicada pelas urgências (Marta Massada, é Cirurgiã de Ortopedia) mas depois com a experiência comecei a gerir melhor o tempo. Quando voltei a jogar, o meu Afonso tinha dois meses e eu dava-lhe de mamar antes do treino (riu-se) e treinava.
Amadoras – E agora está à espera de outro tendo jogado estes jogos na condição de grávida…
Exactamente. Até nos liberta ao contrário do que se pensa. Liberta-nos ocupa o nosso espaço e tira-nos e stress. Concordas Dani?
Dani – Concordo, não pensamos em mais nada. (Actualmente desempregada com curso em Gestão de empresas)

Amadoras – um bom marido e uns filhotes… fazem grandes jogadoras de Voleibol?
Ambas – Sim, connosco fizeram!

Amadoras – como consideram que foi a época do Boavista?
Marta – Considero que foi muito boa, mas depois do que vi e conhecendo as meninas… podia ter sido melhor!
Dani – Concordo e lembro-me de as adversárias dizerem que impunha-mos respeito. Depois, com alguma falta de sorte e juntando isso a uma certa imaturidade, a equipa ciu um pouco. Foi uma época boa, mas podia ter sido melhor!
Marta – Toda a gente tinha medo de jogar contra nós. Mas o jogo que marcou a época foi o jogo com o Gueifães, que fomos prejudicados pelo árbitro, esse jogo, mudou a equipa. Na minha história de jogadora, acho que foi a primeira vez, que posso afirmar que este jogo foi influenciado pelo árbitro. Foi mesmo o árbitro que influenciou e decidiu o jogo. Se temos ganho esse jogo (derrota por 2/3) a equipa iria acreditar mais em si para o futuro da prova.
Dani – Senti que tivemos alguma sorte em jogos que disputamos em nossa casa. As equipas de Lisboa não se deslocaram completas e nós vencemos por 3/0 e depois quando lá fomos… perdemos!
Marta – Sim mas quando fomos ao Belenenses, fizemos um excelente primeiro set e depois… desaparecemos do jogo (o diálogo era directo entre as duas). Faltou-nos um bocadinho de maturidade.

Amadoras - Vocês sentiram-se os pilares daquela juventude?
Marta – Sinceramente, acho que tivemos importância, mas que não era necessário nem tão fundamental. Não foi em termos de jogo, porque elas sabiam muito bem, fazer as coisas. O nosso apoio foi mais em termos de serenidade que lhes transmitíamos.
Dani – Se calhar nós ajudámos um pouco a acalmar. Porque muitas delas, não estavam habituadas à pressão. Conseguíamos que elas serenassem, mas  elas têm valor suficiente para não necessitarem de nós.

Amadoras – Vocês "ralhavam" muito com elas no balneário?
Marta – Não. Aliás um dos grandes problemas da equipa era não haver balneário! Era uma equipa muito heterogénea e isso também tem os seus custos.
Dani – Nós, temos mais anos de Voleibol que muitas delas têm de idade. (gargalhada). Acho que nos adoptamos bem a elas e não elas a nós, afinal quem tem pouca idade somos mesmo nós! Elas aguentaram bem a nossa presença.
Marta – E quem ralhava mais com elas era eu e não a Dani. De mim é que elas devem estar cheias (rindo-se). Nós temos a idade que temos! Fomos muito mais “palhaças” que elas, isso é uma verdade.

Amadoras – Falando do professor Machado. Ele está sempre preocupado. Se quero falar antes do jogo… não pode ser! Se perdeu o jogo… nem vale a pena tentar falar! Se venceu… não se pode faltar porque o próximo vai ser muito difícil! Quem é o professor Machado?
Marta – É muito dedicado e isso é pelo feitio que tem e pala dedicação que coloca no que faz. É muito exigente e não é só no Voleibol, é também na sua vida. E digo-lhe uma coisa… está muuuuuuito mais calmo. Ele é muito preocupado, não só em termos de equipa, mas também em termos de pessoas e fica chateado quando as pessoas perdem força e desanimam e nesta luta, troca-se baralha-se todo.
Dani – Mas nesta altura, sabe pedir ajuda, sabe perguntar se é por aquele caminho que deve continuar.

Amadoras – Se voltassem a ter a idade infantil, voltariam a apostar no voleibol?
Marta – Sem dúvida que sim.Tenho muitas saudades desses tempos. Eu comia e respirava Voleibol
Dani – Claro que repetiria tudo e  temos muitas boas recordações. Nós se pudéssemos murávamos num pavilhão. Não tenha dúvidas. A minha mãe chegava a dizer para eu levar a cama e ficar lá  a dormir.

Amadoras – O convite feito pelo engenheiro para continuar ainda não tem resposta negativa definitiva?
Marta – Eu tenho que adiar por uns meses…
Dani – Tenho as minhas filhas no Castêlo, mas se não continuar ainda virei cá fazer uns treinos.

Amadoras – O que representou para vocês estarem nesta fase (de novo) no Boavista?
Marta – Para mim foi muito bom estar nesta caminhada do Boavista, mas tenho pena de ver que as coisas não são como antigamente. Tínhamos o pavilhão cheio, os adeptos conheciam-nos e chamavam por nós nos autocarros etc… agora as coisas são diferentes, andamos deslocados, não temos pavilhão. Mas é gratificante ver que as pessoas que cá estavam continuam a lutar e não desistem do futuro. Quem chega cá e conhece estas pessoas que não desistem entra na luta e também resiste. O Boavista é um marco da minha cidade, como o Porto. Tenho pena que não esteja no lugar a que tem direito, mas nós estivemos aqui para ajudar na luta pela recuperação.
Dani – O Boavista não me diz tanto como à Marta, porque estive cá menos tempo, mas fui muito bem recebida por todos. Mas nesta hora de reconhecimento, tenho que salientar o senhor Sousa, antigo director, a Dona Graziela e o José Manuel Palmeira que foi ele que segurou o Voleibol do Boavista, numa fase muito complicada com problemas financeiros. Era de inteira justiça referir o nome do José Manuel, pelo que ele significa para este clube.
Marta – Acrescento que foi na altura da construção do novo estádio em que começaram a aparecer problemas financeiros, tínhamos atletas profissionais e estrangeiros e ele aguentou todos os problemas com firmeza. O José Manuel é um marco na história do Voleibol do Boavista e fará sempre parte da sua história.

Amadoras- Como pode um clube como o Boavista sobreviver com estas condições de treino para um equipa de primeira divisão treinar em três pavilhões?
Marta – É muito grave e prejudicial para nós e para o Boavista. Nós jogávamos sempre fora de casa. Nós jogávamos no Fontes, mas só tínhamos um treino por semana no Fontes. Jogavamos sempre fora de casa.
Dani – O Boavista tem que ter um pavilhão! Não é possível um clube deste tamanho, não ter um pavilhão. O Boavista é um clube demasiado grande com um peso enorme nesta cidade para não ter um pavilhão. Por mais que se considere importante o futebol, não é possível encarar o futuro sem ter um pavilhão.

Amadoras – As condições de treino afecta o desempenho das jogadoras nos jogos, principalmente nos serviços?
Marta – Principalmente nos serviços. Os meus serviços que não são perto da linha, não os conseguia fazer no Carolina. Como os meus treinos eram essencialmente no Carolina e eu não vinha a outros… nunca treinei numa época os serviços. Como tenho muitos anos de voleibol, conseguia controlar um pouco isso, mas as miúdas com pouca experiencia, sentiam e vão continuar a sentir imensas dificuldades nos jogos e ficarão prejudicadas na sua evolução.
Dani – O sucesso do gesto desportivo vem da repetição e do treino. Treinar um serviço no Clara é simplesmente enviar a bola por cima da rede, nada mais. Num jogo é totalmente diferente. Senão treinarmos não há milagres. Agora as mais velhotas como nós conseguimos disfarçar. (gargalhada geral)

Amadoras - Comentem esta frase do engenheiro no jantar. “ vós não sendo boavisteiras, fazeis mais pelo Boavista que muito Boavisteiros”. Que dizem sobre isto?
Dani – Para mim, o que ele quis, foi salientar a fase que passamos de treinos para além dos afazeres profissionais e familiares. Os nossos fins-de-semana em família foram muito reduzidos. Tivemos que abdicar de muita coisa para jogar. Mas jogar é uma coisa que nós gostamos de fazer.
Marta – Quando eu vim para o Boavista aos meus dezasseis anos, principalmente entre as gentes mais velhas havia muita rivalidade entre Porto e Boavista. A minha avó ficou muito chateada por eu ter vindo para o Boavista, mas depois de ver como fui recebida e tratada, foi a primeira a reconhecer que o Boavista não era nada do que se dizia. A seguir veio para cá o meu irmão. Hoje, tenho cá o meu enteado. Entre mim e o Porto existe um problema de saúde, porque eu sou maluca pelo Porto. Mas… mas eu defendo o Boavista com a mesma força com que defendo o Porto. São os dois da minha cidade, são os dois os meus clubes e podem crer que entre a juventude muita gente pensa assim. Do outro lado da cidade, nós preocupamo-nos muito com a fase que o Boavista atravessa. Mas preocupamo-nos mesmo muito.  Qualquer Portuense tem que defender o Boavista. São clubes rivais… mas são irmãos!

Amadoras- Como vêem o desporto feminino em Portugal?
Marta – Qual desporto feminino?
Dani – Isso existe em Portugal?
Marta – Mas apesar de tudo o apoio ao voleibol feminino está maior e melhor que no nosso tempo. Nós na selecção jogávamos com as camisolas que os rapazes usavam. Eles acabavam o jogo e davam-nos as camisolas deles que nos chegavam aos joelhos. Uma vez numa fase de apuramento para o europeu aqui no Rosa Mota, foi o professor Machado que nos foi comprar meias, porque nós não tínhamos meias para jogar. Agora tê uma professora cubana, têm centro de estágio etc…

Amadoras - Para o voleibol de pavilhão é importante o voleibol de praia?
Dani – O volei de praia é importante por ele próprio, para o vólei de pavilhão não considero muito significativo.
Marta – Defendo que até deveriam estar desligados. Em condições ideias deveriam estar separados, mas no nosso país por causa das condições atmosféricas e ao facto de terminando um  campeonato se poder começar o de  praia, dá para fazer os dois mas o ideal seria separar os dois.
Dani – Se quisermos evoluir será isso que temos que fazer. Mas no nosso tempo nós pegávamos numa bola e íamos para a praia, agora tudo se alterou.
Marta  - Para muito melhor... A Daniela (jovem jogadora do Boavista, que joga as duas variantes) tem as condições que não existiam no nosso tempo. Agora quem tem potencialidades, como a Daniela tem que trabalhar e andar em frente.
Dani – Mas, devo dizer que se contam pelos dedos as miúdas que são raçudas no jogo. O nosso querer é muito superior ao querer de muitas das actuais. Há muitas barreiras para vencer e são muito poucas as que estão prontas para superar os seus limites. Serão essa as que vão continuar e vencer.

Amadoras -Vamos terminar, enviando uma mensagem para as vossas filhas adoptivas da equipa. Quem “ralha” primeiro?
Marta – O que sempre lhes disse. a postura no jogo é a nossa postura na vida. Num espaço de hora e meia de jogo nós podemos viver todas as situações que a vida nos impõe. Se formos espertas vamos aprender dentro do campo situações que nos vão ser úteis na vida.
Dani – É muito importante… saber ouvir! Sem mas nem meios mas… simplesmente ouvir. Perceber porque é que aquilo é importante para mim, quando me disseram isso! Saber ouvir e interpretar.
Marta – Temos que melhorar, sempre todos os dias. Superar-nos a nós e ser competitivas com as outras . não é crime ser competitivas com as colegas.
Amadoras – Nem estraga amizades…
Dani – Não, não estraga. Veja o nosso exemplo. Somos grandes amigas e passamos a vida a competir entre nós.

Amadoras – Não vamos individualizar, mas como prevêem o futuro das miúdas do Boavista?
Marta – Há ali grande potencial. Bastará lutarem contra os seus limites que o futuro aparecerá e não precisam de nós para nada.
Amadoras – Vamos abrir uma excepção para a capitã. A Catarina pareceu-me sempre tão diferente do que era. Porque terá sido?
Dani – Talvez por nossa causa, se tenha sentido um pouco inibida e tenha perdido a autoconfiança, mas ela tem condições para superar e tem grande potencial. Talvez com a saída das velhotas ela volte a sentir-se mais livre


Amadoras – Como vêem a formação das jovens?
Dani – Mal, está muito mal. Nós tiramos o nosso curso e treinávamos muito mais que eles treinam agora e dá para fazer tudo ao mesmo tempo, porque eu fiz.
Marta – Há dois estados de espirito nos pais portugueses. O do “coitadinho” em que os filhos coitadinhos ou estudam ou se esforçam… coitadinhos é muita coisa junta! Ou o de esperar que os filhos sejam o Cristiano Ronaldo da Modalidade. Ambos estão errados. Eu sou esposa. Sou mãe, sou ortopedista e jogo… dá para fazer tudo.

Amadoras – Mas há quem defenda que formar não é lutar por vitórias…
Dani – Que formação é essa? O atleta tem que ser formado na base da vitória, muitas vezes vi que as nossas jovens convivem demasiado bem com a derrota.
Marta – Dou um exemplo do que a Dani está a dizer. No jogo com o Belenenses em Lisboa, desistimos do jogo no segundo set, depois de um excelente primeiro set. a Dani estava no chuveiro a chorar, ao tomar duche e a miúdas estavam na risota…não sentiram a derrota! Demasiado habituadas a aceitar a derrota. A derrota nunca se aceita! Uma pessoa que aceite facilmente a derrota, vai ser um “manso” toda a vida. Nunca será respeitado. Isto também é formar.

Ficaríamos todo o dia a conversar, mas temos que parar… o que sentem estas Senhoras pelo voleibol?
Marta – Saudade

Dani – Que grande saudade

Entrevista de 
Manuel Pina