Depois da passagem em vídeo, com um som sem qualidade,
optamos por transcrever a na íntegra a entrevista com Rui Pereira treinador principal
do Futsal do Boavista.
Rui Pereira
é sem dúvidas, um dos mais conceituados técnicos do nosso futsal. Axadrezado desde
nascença, regressa uma vez mais ao Boavista e está a realizar uma época bem
mais positiva que o esperado. Mas é nossa intenção falar um pouco sobre a
paragem que o Rui experimentou nos últimos tempos. O porquê dessa paragem?
Já houve
alguns períodos que estive fora da modalidade, cerca de uma época, época e
meia, mas nunca foi por vontade pessoal. Esse afastamento temporário, ficou a
dever-se a falta de convites por mim, como interessantes, ou de interesses de
clubes.
Cheguei a
pensar que o Rui Pereira, por razões familiares, teria decidido terminar com a
carreira…
Não, aliás pelo contrário. A minha família, sempre fez parte deste projecto desportivo, é
até uma razão de aproximação, nesse aspecto, as coisas estão organizadas para o
futsal fazer parte da nossa vida conjunta. Os miúdos gostam de ver os jogos e
de acompanhar a minha actividade desportiva, que nunca colidiu com a nossa vida
familiar. É algo que está dentro dos nossos hábitos e relacionamento familiar. Como
disse, foram dois períodos, algo longos, mas nada de anormal.
O Rui quase
desapareceu do futsal, quase não era visto, daí a minha conclusão, que agora reconheço
como precipitada.
É a minha
postura pessoal, que quando não estou a treinar uma equipa, me afastar um pouco
dos pavilhões e dos jogos ao vivo, para que a minha presença não seja mal
interpretada e não sirva – de algum modo – como pressão sobre o meu colega que
esteja a treinar o clube, ao qual eu estivesse a assistir ao jogo. É verdade
que quando treino um clube, assisto a mais jogos que quando estou livre.
Quando treina
assiste a muitos jogos?
Claro que
sim, preciso de analisar adversário e de me aperceber de determinados
pormenores, que só se verificam com uma presença física.
Vamos então
ao regresso. Sabendo que já se encontrava comprometido com outro clube,
pergunto-lhe. Como surgiu o convite para o regresso ao Boavista e se o processo
com o clube a que estava comprometido, foi pacífico?
Eu tinha um
compromisso desde a época passada, assumido com o GD da Cohaemato. Fui convidado
pelo presidente do clube e comecei desde logo a organizar a época, para
trabalhar na Cohaemato. Comecei a organizar – e porque tinha muito tempo para o
fazer – organizar o plantel, organizar… enfim tudo para entrarmos na época sem
qualquer assunto em atraso. Organizei tudo debaixo das minhas características e
da realidade da Cohaemato, naturalmente.
Mas então
apareceu o Boavista. Como se dá essa aproximação, que aconteceu já na
pré-época?
O Boavista,
começou a sentir algumas dificuldades para conseguir a continuidade do
treinador anterior, o Alberto Melo, que por motivos profissionais, pressentia-se,
não poder vir a dar toda a atenção que uma equipa no primeiro escalão
necessita. Notava-se, que o Berto ia ter problemas por motivos profissionais,
para assegurar a presença em todos os treinos e penso, que essa situação levou
a que me contactassem, apresentando-me um convite para regressar ao Boavista.
Como aconteceu
todo o processo?
Depois de
abordado por pessoas que considero amigas, com o Morais e o Rui Melo, ponderei
e fui – como teria que o fazer sempre – conversar com o Presidente da
Cohaemato. Explicar-lhes que o que estava em causa não era uma proposta
financeira, felizmente (quando estava comprometido com a Cohaemato) tinha aparecido
uma proposta financeira, que recusei, porque estava comprometido com o clube. Explicar-lhes
que o que estava em causa era o Boavista, o meu clube do coração, o clube onde
estive mais anos consecutivos como treinador, o clube que me liga a toda a
família, pois todos somos – na minha família – boavisteiros. Eles entenderam e
assim tudo se passou de forma civilizada e pacifica entre as partes
interessadas.
Vamos entrar
então no mundo do Boavista. Eu confesso e todo o país com a excelente temporada
axadrezada. A si responsável, pela equipa. Surpreendo ou nem por isso?
Vamos ser
rigorosos. Realmente a pontuação que o Boavista tem neste momento é uma
surpresa, pela positiva. Nós não esperávamos que a época estivesse a correr tão
bem como tem estado a correr, como até agora. O Boavista, quando me convidou, fê-lo
para ficar à frente de dois clubes, que é como quem diz, evitar a descida de
divisão. Sabíamos que podíamos fazer um pouco mais, se o plantel
correspondesse, se as coisas corressem bem etc… mas o objectivo do clube era a manutenção.
Era?
A época tem-nos
surpreendido pela positiva, mas ainda falta muito para se jogar.
Deixe-me acrescentar,
que quando vi o calendário, o considerei muito problemático e pensei que só
pela sexta jornada, conquistariam os primeiros pontos. Enganei-me. O que quero
dizer sobre isso?
Sinceramente
não me assustou e até considero que o calendário foi positivo, nesse aspecto.
Explique lá isso.
A equipa
técnica entrou uma semana antes do início do campeonato e por isso uma semana
antes do jogo com o Belenenses e aproveitamos as duas semanas seguintes. Semanas em que defrontávamos o Benfica e o Sporting, para realizar a nossa adaptação
ao grupo, com os nossos métodos numa nova pré-temporada chamemos-lhe assim. Fomos
impondo as nossas formas de estar, de trabalhar e sistemas de jogo. Nessas três
semanas trabalhamos sem grandes pressões preparando o futuro. Por estas razões
considero que o calendário foi de certo modo, positivo.
Desistiram dos
jogos com os Lisboetas?
Nunca se
desiste! Encaramos, foi esses dois jogos como jogos de pré-temporada, se acontecesse
algo de bom… tudo bem. Mas nada melhor que trabalhar sem a pressão dos pontos e
nesse aspecto, considero que o Benfica e Sporting são adversários, em que
ninguém pode esperar ganhar pontos antecipadamente, sendo assim os melhores
adversários que poderíamos ter nesse período.
Conhecendo os
adeptos, como conhecemos, podemos dizer que agora atravessamos a fase da
euforia, em que tudo é possível e tudo se exige. Já tive o prazer de trabalhar
muitos anos consigo e sei que não partilha desse entusiasmo. Como lê a
situação, quando apenas se realizou a primeira volta?
Nesta fase
não jogamos com objectivos classificativos, neste momento continuamos a jogar para
conquistar pontos, jogo a jogo, semana a semana, para amealhar o maior número de
pontos. Nesta fase, continuamos a trabalhar para evitar a descida de divisão.
Nos anos
anteriores, os números de trinta e dois pontos davam para entrar no play off. Tendo
conquistado, já, vinte pontos, o Boavista está a doze de se entrar nessa fase
final?
Quando estamos
a jogar com o Braga ou com o Belenenses, jogamos para ganhar. Não estamos a
pensar se aqueles pontos, vão servir para este ou aquele objectivo. Sinceramente,
neste momento, o nosso objectivo é ficar na primeira divisão. Ainda fazemos as
contas às diferenças de pontos entre nós e a primeira equipa que está na zona
de descida. Enquanto essa distância não for impossível de ser invertida, nós
lutamos para não descer de divisão.
Quando conseguirmos
atingir uma margem pontual que nos garanta a manutenção então a partir daí
iremos redefinir os nossos objectivos, para que a equipa se mantenha unida e
ambiciosa.
O campeonato
está um pouco anormal – na minha opinião – temos tubarões afundados… que de
repente podem acordar e tudo se alterar. Concorda com esta minha visão?
Completamente.
O campeonato está um pouco irregular, neste momento temos duas equipas na
situação de descida com doze pontos e por isso apenas a oito do quinto lugar…
quando se referiu a tubarões, estou a ler… Rio Ave, Modicus, Olivais. Eu digo-lhe
que a pontuação dessas equipas não está traduzida em pontos e que a qualquer
momento, essas equipas podem começar a subir na tabela. Nós estamos sempre à
espera semana a semana, que essas equipas comessem a somar três/quatro vitórias
consecutivas e saiam da posição em que se encontram. São equipas com ambições,
com tradição e equipas com valores e
plantel capazes de alterar tudo num espaço curto de semanas. Eu estou á
espera que isso aconteça, por isso, considero importante, todos os pontos que
possamos conquistar agora. Veja, por exemplo, que o Modicus foi há duas épocas
um dos primeiros classificados, foi á final da Taça, o Rio Ave foi o terceiro classificado
do ano anterior, são clubes com historial no nosso futsal. A segunda volta pode
vir a ser muito diferente da primeira.
A prova
sofreu alteração. Terminou o play-out (ainda bem, digo eu. Já fomos vitimas
dessa ingrata e injusta fase) agora descem dois directamente e quatro terminam
a época mais cedo. Qual a sua análise a este quadro?
Eu considero
uma alteração positiva, porque as
equipas que sobem do segundo escalão, praticamente descem. Mesmo com quatro
descidas, esses lugares eram (quase sempre ocupados pelos quatro que subiam)
algumas equipas foram excepções. Furou o ano passado o Cascais, furou há dois
anos o Rio Ave e mais atrás furou o Modicus. As equipas que sobem apresentam um
deficit competitivo, comparadas com as que já estão há alguns anos no escalão. Por
estas razões considero, uma alteração positiva.
Mas na próxima
época só subirão dois, um de cada zona. Isso não tirará interesse ao segundo
escalão?
Não há, na
segunda divisão mais que uma duas equipas com qualidade para jogarem na
primeira divisão. As diferenças são abismais, normalmente a segunda classificada
de cada série da segunda divisão, não apresenta condições para competir no
primeiro escalão.
A modalidade
em Portugal encontra-se em mudanças. Todos criticamos, mas nem todos
apresentamos soluções. Com o é que o Rui Pereira vê a actualidade e o futuro do
futsal em Portugal?
Fruto da
crise que atravessamos e das dificuldades que existem actualmente, há
dificuldade em conseguir patrocinadores em que todos os clubes tenham condições
de manter os seu melhores jogadores, verificamos que alguns clubes, mesmo de
meio da tabela, viram os seus jogadores saírem para jogarem em diversos
campeonatos estrangeiros. Essa realidade equilibrou mais o campeonato, mesmo
que por baixo, mas tem a vantagem de estar a permitir trabalhar mais com
jogadores jovens na primeira divisão que noutros tempos não teriam
oportunidades. Tudo somado, estamos a ter um campeonato mais equilibrado e mais
competitivo. Há três/quatro equipas de um nível superior e todas as outras
competem pelo título de não descer de divisão.
A crise
também afecta o futsal?
Claramente. Os
melhores jogadores nacionais saem mais facilmente e os clubes deixaram de ter
grandes hipóteses de ir buscar ao Brasil jogadores com o valor como se fazia
até aqui.
A base de progressão
que deveria nascer na segunda divisão, não se nota na primeira?
As diferenças
entre a segunda e a primeira divisão, são um abismo. Não na qualidade de
jogadores que teriam sempre tempo de evolução, mas no ritmo de jogo, na
intensidade do mesmo, dos parâmetros físicos entre os dois escalões. Nós na segunda
divisão podemos com sete/oito jogadores de média qualidade fazer um bom
campeonato, mas é impossível, na primeira, com um plantel curto somar muitos
pontos. Estas são as condições que um clube promovido depara quando chega ou
primeiro escalão.
No caso do
Boavista, o plantel estava preparado para manter uma tranquilidade no primeiro
escalão?
Considero que
sim. Nós trabalhamos, com base, não na ideia de nos preparamos para os jogos
com determinadas equipas, consideradas adversárias directas, preparando-nos
para um pico de forma para determinados jogos, mas preparamos a equipa para
crescer, mesmo sem saber se o conseguia num espaço de tempo útil, desconhecíamos
se demoraria dois/quatro/seis meses, mas trabalhamos para a equipa poder jogar para
vencer em todos os jogos e não só em alguns jogos e com alguns adversários. O plantel
reagiu mais rápido que o esperado, e considero que está pronto para qualquer
jogo.
Mas é um
pouco adverso ver o Boavista a treinar das vinte e duas horas e meia até à meia-noite,
com atletas trabalhadores e de depois jogar com equipas que realizam dois
treinos diários em horário nobre, Concorda?
Isso faz de
nós pessoas mais bem preparadas. Os jogadores treinam nesse horário que referiu,
levantam-se cedíssimo para as suas actividades profissionais e portanto, isso é
uma dificuldade acrescida, mas dentro dessas dificuldades a capacidade de
superar essas mesmas dificuldades, vem mesmo do interior do grupo e da sua
qualidade. Nos últimos jogos, temos verificado que estamos a atingir um
determinado patamar, que há muito tempo desejávamos atingir e a verdade é que
não se tem visto a diferença entre as equipas com melhores condições que as
nossas. Por exemplo, o Braga deverá ter cerca de oitenta por cento de um
plantel profissionalizado e o ritmo que o Boavista conseguiu impor, no jogo em
que os dois clubes se defrontaram, não permitiu ver quem treinava duas vezes
por dia ou duas vezes por semana.
O Rui Pereira
não é treinador que defenda ser possível ter a equipa em picos de forma,
preparando-se para fases?
Nós tivemos
a felicidade que logo após o jogo com o Belenenses da primeira volta, ter o tal espaço competitivo sem grandes pressões, verificar que não estávamos
preparados, não conhecíamos a equipa e aproveitamos esse tempo para nos adoptarmos
ao plantel e ele ao nosso ritmo de trabalho. Aproveitamos esse quinze dias e depois já estávamos preparados para jogar com o Olivais já com o ritmo preparado para
combater com uma equipa da categoria, experiência, intensidade e conhecimento
de primeira divisão do Olivais.
Nota: A segunda parte da entrevista será apresentada ainda hoje, no principio da noite.
Entrevista feita por
Manuel Pina