quinta-feira, 6 de abril de 2017

ENTREVISTA COM JORGE RODRIGUES, UM CAMPEÃO QUE TREINA OS JUVENIS DE ANDEBOL



Jorge Rodrigues, um dos melhores (provavelmente o melhor) andebolista português de sempre,  é o actual treinador da equipa Juvenil de andebol do Boavista F.C. que disputa a 1ª Divisão Nacional.
Uma viagem na vida de Jorge Rodrigues, uma viagem pelo mundo do andebol.
Um campeão, que acredita nos jovens do Boavista.



UM DESPORTISTA DE VÁRIAS MODALIDADES

Mister, tive o prazer de o ver jogar várias vezes, mas vamos apresentar o Jorge Rodrigues aos mais jovens, recuando aos primórdios. Porquê o andebol, na sua opção?

O Andebol, foi a minha última modalidade e não a primeira. Comecei por jogar hóquei em patins federado no Sporting de Lourenço Marques (actualmente Maputo) no tempo de Fernando Adrião. Primeiro com o pai na patinagem, depois com o filho no hóquei. Depois dessa fase, passei a representar o Ferroviário de Lourenço Marques.

É Moçambicano?

Não, mas vivi lá durante cinco anos. Sou natural da Apúlia.

Continuemos…

Para além do hóquei, comecei a praticar corta-mato no desporto escolar. Eu gostava muito de atletismo. A minha família regressou ao Continente e passei a viver em Almada, onde existiam muitas dificuldades para continuar a jogar hóquei, por não existirem clubes para essa modalidade. Mesmo assim, estive para acompanhar o meu irmão que jogava hóquei no Belenenses, mas ele sofreu um acidente e teve que amputar um braço e… acabou o hóquei na minha vida.

E apareceu o andebol?

Em Almada, mas dentro do desporto escolar, que era nessa altura a base de recrutamento e formação do andebol.

Em que ano estamos a localizarmos-no?

Comecei no andebol em 1971.
Mas antes disso, comecei a fazer atletismo no Benfica, no meio-fundo. Só que para treinar eu tinha que atravessar todos os dias o Tejo. Era carro, era barco, era autocarro e depois a pé. O Benfica treinava no CDUL. Era complicado e os meus colegas começaram a tentar convencer-me a abandonar o atletismo e ir para o andebol do Almada, para onde iam todos da nossa escola. E lá fui eu para o andebol e para o Almada onde estive quatro anos, numa época de juvenil, uma de júnior e duas de sénior.

E começou a sua carreira de grande jogador. Em que clubes?

Do Almada passei para o Belenenses, onde fui bicampeão nacional, numa época em que o clube esteve quase a não ser inscrito, por causa de uma crise de dirigentes, que quase não inscreviam o clube, depois deste ter sido campeão. Por fim lá o inscreveram e voltamos a ser campeões nacionais.

Mas depois mudou. Para onde?

Para o Sporting, onde também fui campeão nacional

E em seguida vem para o norte. Como deixou o Sporting, que era um baluarte no andebol?

Estava a passar férias na Apúlia e houve um “ataque” surpresa de uma comitiva portista, com o vice-presidente Teles Roxo, que era director de andebol -  que foi posteriormente, meu padrinho de casamento – o António Cunha, o José Magalhães e o Manuel Jorge.
O António Cunha desde quando  eu jogava no Almada que tentava trazer-me para o norte. Aceitei as condições, mas  como tinha compromisso com o Sporting tudo passava pelo clube de Lisboa. Mas libertaram-me, graças ao Sr. Fiel Farinha que era um grande dirigente e, então vim para o Porto, onde estive três anos. Viria a continuar a carreira na Suíça, onde fui profissional durante cinco anos. por fim, regressei a Portugal para ingressar no ABC, onde estive seis anos e lá terminei a carreira de jogador.


Recorda-se de quantas internacionalizações teve?

Penso que 93. Podia ter ultrapassado as 100 como alguns colegas da minha geração, mas o facto de ter ido para a Suíça impediu, muitas vezes, de ser convocado, pelas despesas que isso provocava à federação. Durante a minha carreira de 16 anos, fui sempre convocado para a Selecção Nacional.

Quantos títulos conquistou?

Fui sete vezes campeão nacional, venci cinco Taças de Portugal e três Supertaças, isto como jogador. Como treinador, conquistei uma Taça de Portugal e uma Supertaça, ao serviço do Porto. Eu fui o treinador do Porto, no primeiro ano em que o Pinto da Costa passou a Presidente do Clube e venci a Taça e Supertaça.

O ACTUAL ANDEBOL

Vamos deixar a apresentação de um desportista e passar ao andebol globalmente falando. O atual andebol é muito diferente ou nem por isso do andebol do seu tempo?

Em algumas vertentes está melhor. Os atletas, actualmente, começam mais cedo e têm um tipo de treino mais adequado à competição. Mas em termos de potencial e de talento, as coisas divergem. Os jogadores são mais trabalhados, têm mais tempo de treino e por isso, tem possibilidades de evoluir muito mais.

Mas fico sempre com a ideia que o andebol, é (agora) de mais choque e menos técnico. Concorda ou nem por isso?

Nós tínhamos uma visão de jogo diferente. Antigamente era o desporto escolar a nossa formação, agora essa formação é feita pelos clubes. O desporto escolar não tem a importância que tinha naquela altura, porque havia um campeonato escolar forte e só depois dos juvenis é que os clubes iam convidar os jogadores.

O senhor é o treinador mais conceituado a trabalhar na formação. A que se deve tal facto?

Primeiro por falta de apresentação de projectos credíveis. Eu fui um dos primeiros treinadores profissionais em Portugal, foi um risco que assumi em determinada altura e há uns anos a esta parte optei por treinar formação. Estive ligado a um grande projecto a nível de formação que não teve continuidade por falta de estabilidade financeira.

O BOAVISTA

E como se dá o ingresso no Boavista?

Eu estava num projeto do ABC de Braga e o Hugo Mota convenceu-me a vir para o Boavista.

A equipa de juvenis, consegue uma primeira fase calma e neste momento atravessa um período complicado. A que se ficou a dever esta situação?

Quando começamos tínhamos cerca de vinte e tal miúdos no conjunto das duas equipas de juvenis. Optamos por colocar os mais jovens na equipa “B”, para poderem ter mais jogos e não irem aos “A” com pouca competição e jogarem menos tempo.
Começamos mal, porque não nos conhecíamos, diferenças de treinos etc… mas encarreiramos e estávamos a ficar com uma equipa muito competitiva capaz de lutar pelos lugares de apuramento, que eram os três primeiros. Entretanto, as lesões aparecem e o plantel não era muito largo em termos de mais-valias, mas conseguimos colmatar essas lacunas com jogadores menos utilizados.

As lesões foram muitas?

Perdemos a base da equipa. Quando falha um ainda se vai compondo, mas sem a base ofensiva/defensiva as coisas complicaram-se, porque os outros ainda não estavam prontos para assumir as faltas.
Houve um mês critico, que foi Dezembro. Muitos miúdos saíram, por castigo dos pais por maus resultados escolares outros por outra razão, ou porque não se sentiram capazes e abandonaram o andebol. Parecia que a época se ia iniciar de novo, provocando um grande quebra competitiva.

Neste momento como se encontra a equipa e o que espera até ao final da prova?

Temos tido jogos equilibrados com resultados tangenciais que podíamos ter conquistado pontos. Depois quando nos deslocamos a determinados pavilhões, as arbitragens deixam muito a desejar.

Queixas da arbitragem?

É mesmo gritante a incapacidade de vários árbitros. Os jogadores são novos e estão numa idade de afirmação, de reação e de calma. Como não a conseguiram totalmente, reagem às injustiças e depois desistem. As duplas de árbitros fazem vários jogos por dia e depois, aquilo é só “picar o ponto”.

Como treinador teme a descida de divisão?

Não. Falta-nos vencer um jogo (nr o Boavista venceu este sábado) mas temos que o ganhar e já o podíamos ter ganho. Em Espinho estivemos a jogar bem durante muito tempo e em casa com o Infesta, merecíamos pelo menos, o empate.

Alguma coisa o incomoda no momento?

Temos tido muito pouca gente a acompanhar a equipa, com um pavilhão que fica aqui ao lado do Bessa. Vamos jogar fora e temos muita massa adepta, a puxar a incentivar a empurrar a equipa da casa, e nós em nossa  casa estamos quase sozinhos.

Como  treinador de formação, como me explica que uma equipa se tenha deslocar cerca de duzentos quilómetros para disputar um jogo com início pelas doze horas?

É uma maneira de a federação poder gerir os árbitros. Obviamente que uma equipa à qual isto acontece, entra meia vencida no jogo.

Isto não é antítese da verdade desportiva?

É claramente, mas as leis permitem.

Para continuar no Boavista, irá impor algumas normas?

Nem por isso. Tudo parte da vontade dos atletas.
No momento, temos vinte tal juvenis, vinte e tal iniciados e vinte e tal infantis. Estes são a base do trabalho para o futuro. No escalão de Iniciados temos bons miúdos, tanto que grande parte deles estão a jogar no juvenis nas duas equipas, devido à carência da equipa de juvenis, pelas lesões que aconteceram. Temos uma boa massa para poder trabalhar.

Sente-se atraído pelos jovens dessa equipa?

Eles próprios têm que sentir que querem jogar e querem evoluir. Isso passa pelo próprio atleta mas também do acompanhamento dos pais. Na responsabilidade que têm que assumir porque as distrações são muitas, principalmente no escalão de juvenis que é uma idade de afirmação pessoal e logo, muito complicada e critica. Têm muitas atividade que os podem distrair daquilo que os treinadores pretendem.
Têm que se começar cedo para se ver os que gostam, os que querem e apostam. Com esses posso continuar a trabalhar.

NOTA: Na próxima semana será publicada uma entrevista (complemento) com Jorge Rodrigues, na qual nos debruçaremos, sobre outros assuntos de carácter global do Andebol

Entrevista de 
Manuel Pina