Baltazar Sousa, acumula a função de director do Departamento de
Atletismo, com as funções de atleta e treinador da modalidade.
Nesta entrevista, abordamos um pouco de todas estas funções, começando
pela de
DIRIGENTE
O atletismo no Boavista, tem crescido, nos últimos anos. Quando
assumiu o cargo de director, esperava esse crescimento, ou ainda o considera
abaixo dos seus objectivos?
Eu quando cheguei ao Boavista, não esperava nada, porque nada me foi
prometido. Dentro dessa expectativa, do nada esperar, contava comigo e com o que sabia poder fazer.
Havia uma expectativa da adesão ao projecto, e das
pessoas que poderiam vir para o mesmo.
Essa adesão foi positiva?
Foi tão positiva, que nem me agradou!
Como assim?
Às vezes, quando vem tudo de “enxurrada” isso acaba por estragar. Esse
estrago, já foi ultrapassado e agora estamos numa situação de união e
solidariedade. Os atletas que continuaram, estão todos unidos. Temos uma
relação muito próxima que considero importante existir, para se criar um
sentimento de equipa.
Menos quantidade e mais qualidade?
Exacto. Para mim, isto define qualidade, não na obtenção de resultados,
para já, mas numa qualidade de união e bem-estar.
Competitivamente, está satisfeito?
Tenho verificado com satisfação a evolução competitiva dos atletas que
vão entrando no projecto.
Essa parte, abordaremos na função de treinador. Continuemos no aspecto
de dirigente. Quantos atletas tem neste momento o atletismo do Boavista?
Federados temos setenta.
Uma particularidade que me chamou a atenção, é que têm muita juventude.
Como se conseguiu trazer esses miúdos?
O Boavista, só por si, é um clube carismático. Todos os pais que
desejam colocar os seus filhos numa formação de atletismo, vivendo próximo do Bessa,
optam fácil e coerentemente, pelo Boavista.
Ainda não são tantos como desejaria,
porque eu preferia ter cerca de cinquenta jovens – isto sem desprimor algum dos
atletas veteranos - em vez, da situação actual, isto é, preferia ter dez
veteranos e muito mais miúdos e ter um ou dois treinadores específicos para os
treinar.
Mas estes jovens são mesmo para o atletismo do futuro?
O que vejo é que são interessados, regulares e não faltam aos treinos,
gostam de estar aqui e há um trabalho semanal que se faz com interesse e
entrega deles. Mas para já, não temos preocupações de competições nada disso.
Estamos no início da formação.
Como dirigente, sente falta de algum pormenor que queira focar?
Sem me queixar de ninguém e sem querer ferir suscetibilidades, tenho
que assumir, que esperava mais concentração para esta secção.
Concentração? A que se refere?
Precisava que olhassem para a secção,
e que todos juntos conseguisse-mos angariar algum capital e constituir um
orçamento para conseguir realizar o sonho que eu tenho.
Que sonho é esse?
Era constituir uma equipa sénior. Por exemplo, juntar à Carla Faria mais três ou quatro atletas e formarmos uma equipa sénior. Termos uma equipa júnior, não é difícil de conseguir
isto, mas numa equipa sénior é mais complicado e eu não posso estar à espera
que os atletas se venham cá oferecer, tenho que os procurar. Sinto-me mal, ir aos campeonatos regionais e não poder
competir colectivamente, porque não temos atletas para formar uma equipa.
Quais as condições que os atletas usufruem no momento?
Os atletas, pagam os seus equipamentos – agora vão deixar de pagar,
porque conseguimos um patrocinador do restaurante Ponte de Pedra que nos
ofereceu as camisolas.
Preciso de patrocínios, de dinheiro vivo, para
negociar com atletas que ao ingressarem no Boavista, tenham direito a fatos de
treinos e equipamentos. Para além disso, oferecer-lhe diversas inscrições em
provas e uma forma de os transportar para as mesmas provas.
Profissionalmente, o que faz?
Sou profissional de seguros.
Como consegue conciliar toda a actividade diária?
Ponho muita coisa em risco, mas tento dosear o esforço
e conciliar tudo da melhor forma.
O TREINADOR
Na condição de treinador, começo por lhe perguntar quantos atletas treina?
Falando em termos específicos, são meia dúzia de atletas.
Mas, eu presenciei num treino, que o número era superior…
Bem, devem ser uma dúzia de atletas. Mas estamos a falar de atletas
formados e a competir, o que você viu foi um treino de formação, que eu não contabilizo.
Quais são no momento as apostas do treinador?
Aposto em todos os atletas dos juvenis e juniores, no momento. Mas
tenho já em observação até atletas mais jovens. A aposta tem que ser na
juventude e aposto verdadeiramente em todos aqueles que se dedicam. Quando verifico
essa dedicação, estou com eles.
Particularizando, um pouco, vamos explicar como é que o treinador se
apercebeu do problema que a Carla atravessou?
Comecei a verificar alterações de forma, entre as duas épocas. Acompanhei-a
durante três meses, esperando a sua reparação, o que não aconteceu. Mas a prova
de tudo, foi na competição, em que vi que a Carla não respirava em condições,
nem corria sequer e estava permanentemente em completo sofrimento. Então conclui que a Carla
estava doente.
Podemos afirmar que para além de atletas você se preocupa e acompanha
a situação dos jovens?
Obviamente. Todos os pais podem estar certos que ao mínimo pormenor, mais
estranho, a minha atenção será redobrada. Um treinador, tem que ter enorme sensibilidade,
quanto mais próxima e longa for a relação entre atleta e treinador mais nós
conhecemos o atleta. Por esta razão, uma carreira demora vários anos a
construir. Voltando ao caso da Carla, como exemplo, pode acontecer que os pais
em casa, não se apercebam de alguns pormenores de saúde, quando nós nos treinos
verificamos mais facilmente, porque sabemos o que o atleta consegue fazer
e no momento, não está conseguir.
O ATLETA
Vejo-o sempre a competir com a mesma entrega de outros tempos. É viciado
no atletismo?
Como já lhe disse, a minha carreira está feita, mas eu chego à
conclusão que para mim, competir serve da minha terapia. Se perguntar a grande
parte das pessoas que correm a meia maratona, porque o fazem, vai ouvir como
resposta, que sentem essa necessidade de correr.
Para mim, é uma terapia, é um
escape, quer a nível nervos, quer a nível psicológico etc…eu tive dois anos, em que não
competia bem e sentia muito mal-estar. Eu preciso de sentir o meu corpo,
exigindo sempre o melhor.
O Povo diz que uma coisa é ir para a festa, outra é regressar da
festa. Como explica o sentimento de se deslocar de carro sozinho trezentos quilómetros,
depois correr a meia maratona e voltar de carro para casa?
Vou responder-lhe de duas formas. Conheço um amigo que foi para Lisboa
de avião, pagando dez euros pela viagem e pagou trinta euros pela inscrição na
meia maratona. Viajou durante meia hora para correr duas. O que motiva este
corredor que tem sessenta anos? É um vício!
Eu, muitas vezes, quando viajo para a
festa me questiono. Porque é que vou para a festa? Porque não fico em casa a
descansar?
É inexplicável.
Como é que um atleta da sua idade consegue fazer sexagésimo sexto na
meia maratona de Lisboa e passado pouco tempo, faz sétimo na Maratona de Bordéus?
Não sei. Tem que perguntar aos que ficaram atrás de mim. É o querer,
acima de tudo. Agora mais a sério isto é genético, ou se tem ou não se tem, e, se
temos… podemos sempre nos superar.
É um exemplo para os seus atletas?
Penso que posso ser e se calhar sou. Tento ser, para que eles
possam sentir que tudo é possível.
Como "vive" uma prova?
Ao iniciar sei o tempo que costumo fazer nessa distancia. A meio
verifico o meu tempo e nunca entro em pânico, porque no mínimo tenho que fazer o tempo
que consigo nos treinos. Quando verifico que estou a conseguir um tempo melhor, isso motiva-me. Quando
entro na festa… estou na festa.
Orgulhoso da carreira?
Há uns que dizem que nasceram para correr aos trinta, quarenta ou
cinquenta anos. Eu digo. Se calhar antes de nascer…já corria.
Entrevista de
Manuel Pina